Misoginia intelectual

Na passada sexta feira, surgiu no suplemento 'Ípsilon', do jornal Público, um curioso artigo de António Guerreiro intitulado "O fim dos homens", que lembra as reações do setor masculino ao longo do século XIX e XX, face à emergência político-social e artística das mulheres. É curioso como esta ameaça ainda é sentida como real, num mundo em que a esmagadora maioria das mulheres é discriminada por "obstáculos culturais e religiosos" (citando o texto), referidos pelo autor en passant, a partir de uma postura eurocêntrica que toma como garantidas as conquistas europeias a nível de direitos de género. Será bom recordar também que, mesmo nesta fortaleza onde vivemos, a discriminação é evidente tanto a nível salarial como a nível de progressão de carreira; sem falar em dados como número de mortes anuais por violência doméstica, em países como Portugal.
Apesar de o autor evocar vários teóricos, provando a sua indubitável erudição, peca, a meu ver, por alicerçar a argumentação na alusão a publicidade ("sobretudo radiofónica") que estupidifica as figuras masculinas sem nunca referir nem analisar ao longo do artigo os sketchs a que se refere. Deve partir do pressuposto de que serão de conhecimento universal, o que é, por si só, algo problemático. Para mais, evoca-se o universo publicitário como "medium das nossas fantasmagorias e (...) expressão de uma moral social" sem se refletir sobre o seu modo de funcionamento enquanto reciclagem de tendências / modas ao serviço de um sistema que continua a ser gerido por pressupostos de injustiça social. Ou seja, o facto de alguns anúncios representarem a figura masculina como acéfala poderá refletir o cansaço das mulheres por assumirem a maior parte do trabalho da família num mundo dominado pelos homens, imagino, sem conhecer os objetos de análise que geram a reflexão de AGuerreiro. No entanto, trata-se, de novo, de uma estratégia publicitária que visa conquistar um setor específico de consumidores, neste caso, o público que toma as decisões de consumo no espaço doméstico (imagino que estes anúncios não sejam a automóveis, por exemplo, que representam a maior fatia de investimento familiar e, ainda, continuam a ser domínio do homem da casa).
O feminismo contemporâneo (para além da caricatura dos seus radicalismos, apresentada por pensadores sexistas) não é contra ninguém, como julgo ter esclarecido numa das nossas aulas, antes a favor de todos, na consciência da necessidade de operar mudanças ao sistema patriarcal ainda vigente (não nos enganemos!) que oprime tanto homens como mulheres. Só a partir do reconhecimento da desigualdade estrutural será possível alterar o modo de pensar e viver no quotidiano, criando condições efetivas de democracia e de cidadania para todas e todos os seres humanos, além de jogos de humor de intelectuais ressabiados.
Qual a vossa opinião sobre este assunto?

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